sábado, 2 de fevereiro de 2008

Nas Tuas Mãos


Sempre foste perspicaz e sempre tiveste a maldita ajuda desse teu olhar brilhante. Desde cedo foste protegido por essa forte e impenetrável muralha como se disso algum dia precisasses... Provocas tudo e todos com essa matraca cheia de veneno. Para mim não passas de um mero desprezível animal que tanta vontade tenho de esganar ignorando o perigo que és, porque tu podes fazer-me em bocadinhos. Não fazes ideia do quanto te odeio e ao mesmo tempo...

Deixaste-me na falsa situação. Como te atreveste? Dilaceraste o meu pobre coração, fizeste-lhe rasgões que jamais cicatrizarão, fizeste dele comida para os abutres... Eu era tão feliz, crente e a vida era fácil na altura... Daí em diante passo os meus dias na luz trémula, no cubículo e já não arejo mais. Odeio-te a ti e à tua resignação impulsiva.
Fico inerte quando lembro a primeira vez que tocaste nos meus lábios e saboreaste o meu gosto. Odeio as tuas exigências, as nossas recordações... Tu próprio obrigas-me a detestar-te. Intimidas quem quer que seja com esse olhar crítico, mas doce... a tua pele fresca, como era saborosa... Ignoro-te, mas amo-te no meio de tanta amargura e sei que a minha boca suplica a tua boca, que meu corpo deseja o teu, mas não posso, não devo, não quero.
Passam-me agora imagens de felicidades inocentes, puras de tempos que não voltam. De tempos em que eu tinha alma de menina pequenina, tempos que metamorfoseaste com esse feitio repugnante de tempos presentes, de tempos de agora, de hoje.
Como me ardem os pulmões quando lembro que respiro o mesmo ar que tu, paraliso quando caio em mim e relembro que piso o mesmo chão que tu e fico cega quando te vejo. Meu coração fica congestionado de tanto liquido que tem que bombear para as restantes partes do meu corpo que tremem e transpiram raiva quando te sinto.
Há uma coisa que não percebo... é que tu sempre me deixavas em paz, tranquila, como pode agora o efeito ser tão contrário? A tua aparência continua absurdamente linda, mas odiável no somatório daquilo que és.
Queria que me arrastasses e me dissesses que nada disto era verdade, que foram dias de loucura doida, coisas da minha pobre cabeça e me pedisses para recomeçar o que nunca um dia acabou em nossos corações. Deixa tudo de lado e vem amar-me, compreender-me, provocar-me sorrisos e arrepios na espinha (como sinto saudades dos arrepios que provocavas no meu corpo...). Sempre soubeste fazer-me feliz, da mesma forma que agora me fazes ser a melhor representação da infelicidade. Desejo-te e sinto-me derrotada nesta guerra...
Quero acontecimentos cegos contigo, que me apertes e sufoques de tanto amor. Quero que me agarres pelos braços, encostes o teu rosto no meu e me segredes ao ouvido palavras doces. Queria que tudo isto acabasse, mas na verdade iria temer.
Como sinto o coração apertado, atrofiado por tanta desilusão provocada pela tua forma grotesca de te impores na vida. Fico desolada em saber tudo o que és agora. Por tua causa a minha vida caiu na monotonia, no aborrecimento, nas trevas...
Pelo jeito que me olhas ainda me amas, sempre tiveste um olhar decidido e por isso também enxergo o quanto me evitas. Adorava quando me amavas ferozmente, quando modelavas os teus gestos no meu corpo, quando embalavas as palavras que proferias... e me fazias inclinar o rosto, fechar os olhos e esboçar aquele sorriso que mais ninguém conseguirá arrancar de mim, nem à força.

Faz-me de novo tua e tira-me do fundo deste buraco. Sê generoso e salva-me das forças do inferno que eu te salvarei de todos os teus remorsos. Devolve-me a alegria de viver. Não hesites e vem. Encosta-me à parede, fixa-me a nuca, deixa desabafar e sair as palavras que prendes, beija-me... trata-me daquele jeito lindo de tempos de outrora.

5 comentários:

Anónimo disse...

é um texto muito negro. apesar de todos os defeitos que encontramos na pessoa amada todo o amor que sentimos por ela é capaz de neutralizar toda a sua parte má. isso é amar.
:*) e muitos beijos linda

Anónimo disse...

A racionalização dos sentimentos é possivel,o teu texto é prova cabal disso mesmo,e um ringue de boxe onde vais desferindo golpes calculados,incisivos um após outro até ao KO e posterior morte.A relação amor/ódio tem sempre esse desfecho previsivel.NÃO há nada que a outra parte te possa dar,que te compense pela tua entrega total o teu coração ferido falará sempre mais alto,ilusão a tua se pensas o contrário.
Onde não racionalização é na paixão
onde não há regras,limites,nem frio
nem quente,e uma chama que nos com
some,mas das cinzas tal como Fénix,
sem sorrisos nem olhares bonitos,de
vagar vai emergindo a cumplicidade,
a paz a ternura pelos defeitos do outro,costumam chamar-lhe amor.Penso que te ficaste pela paixão,pela forma como escreves e enquadras os sentimentos vividos....mas o futuro
está atua espera

saudações

Vanda Amador disse...

Pensei desde sempre que a paixão fosse um sentimento... dentro do que penso então fico confusa no comentário - racionalizar sentimentos, mas não a paixão...

Não concordo com o que dizes sobre a paixão... paixão é sentir ao rubro todas as sensações e sim, tem o verso da moeda, faz sorrir/chorar, é fria/quente and so on.

Enfim, não acho que este texto seja prova de racionalização de sentimentos, é antes uma descrição dos mesmos... como poderia eu racionalizar algo que continuo a não perceber??

Anónimo disse...

Sorry pela insistencia,na realidade
divergimos nos conceitos.A Paixão para mim e um estado de espirito,(discutivel sim)constituido por um conjunto de sentimentos que funcionam de forma heterogenea e aleatória sem um comando central.
Considero a paixão um estado efémero +ou- duradouro,ou se sobe para o patamar seguinte ou acaba, penso que e onde se encontra a pessoa do texto onde a realidade começa asubstituir o deslumbramento
aí utiliza de alguma forma racional sentimentos negativos para realçar o desapontamento.
Amar e uma explosão controlada onde a racionalidade faz o equilibrio e geralmente qualquer tipo de sofrimento e contornado.È preciso passar por este estado para perceber os outros.

saudações

Vanda Amador disse...

Lá está, fala quem sabe... já eu nunca percebi os outros.